Persuasão - Jane Austen
- Clarissa Santos
- 17 de set. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 1 de out. de 2024

Li recentemente o título mais maduro de Jane Austen, Persuasão. Depois de assistir a desastrosa adaptação da Netflix, decidi que precisava conhecer esse clássico pela fonte original, assim como fiz com Orgulho e Preconceito, Razão e Sensibilidade e Emma (todos com adaptações bem mais fidedignas e menos ofensivas).
Que grata surpresa. Diferente do que esperava, esse não é um livro pesado, cheio de mágoas e rancores sobre decisões equivocadas do passado. Na verdade, Anne é uma das melhores protagonistas de Jane justamente por saber, desde a página um, que é sua responsabilidade, e apenas sua, o destino em que se encontra.
Por questões sociais, a jovem Anne foi dissuadida de aceitar o pedido de Wentworth aos 19 anos, pois este não tinha nome nem fortuna para lhe oferecer. Mesmo que as intenções fossem boas, ao menos por parte da tia Lady Russell, Anne cometeu um equívoco. E passou os anos seguintes arrependida dele.
Equívoco esse não relacionado a acensão do ex pretendente, agora um capitão da marinha britânica. Mas apenas por que ela o amara e se deixara convencer de que esse amor não era suficiente, que não seria forte o bastante para sobreviver as dificuldades de um casamento sem luxos e sem posição social, e que o amor juvenil se dissiparia.
Agora, aos 27 anos e sem perspectiva alguma, Anne reecontra seu amor de juventude e o vê de uma posição difícil: a princípio como uma velha conhecida, depois como amiga de sua iminente noiva. E mesmo num cenário de sofrimento constante, onde sente que seu caráter muitas vezes é julgado por um erro do passado, Anne segue sendo o melhor que ela pode.
Mesmo sendo uma solteirona, Anne vive num contexto de privilégio por ser filha de um barão, mas diferente de sua família superficial, mesquinha, artificial e que só valoriza as aparências; a personagem consegue ser gentil, atenciosa, humilde e empática. Não é raro vermos Anne colocando o bem estar dos outros a frente do próprio, mesmo que seja para conciliar os desejos mesquinhos da irmã mais nova ou do pai egocêntrico. E, acima de tudo, consegue ter dentro de si uma força descomunal para estar perto de seu amado, vendo outras mulheres interessarem-se por ele e manter a compostura e até chegar a influenciá-las a perseguirem seu desejo de conquistá-lo.

Como é comum as obras da autora, há sempre criticas enfáticas a sociedade da época; criticas essas que podem ser espelhadas aos dias atuais. Afinal, não vemos o comportamento narcisista e o elitismo do pai e irmãs de Anne diariamente? Nos relacionamentos, nos encontros casuais e, principalmente nas redes sociais, é assustador o quanto se vê o eu tomando a frente do todo.
Pode até parecer que há uma linha tênue que separa o comportamento dos familiares aos de Anne, mas na realidade o que há é uma parede instransponível entre eles. Como criaturas feitas de materiais completamente distintos, imiscíveis. Anne é toda sentimento, compaixão, empatia e altruísmo. E só quem compartilha dessas características, as valoriza e incentiva é capaz de vê-las na personagem.
Agora, sobre Wentworth... que personagem interessante. Adoraria ter um ponto de vista dele, mas ao mesmo tempo acredito que o fascínio que o personagem causa é exatamente pelo distanciamento que temos dele. Assim como Anne, nesse reencontro temos poucos momentos as sós com Frederick, na maior parte do tempo estamos a margem, observando de canto de olho suas interações, suas palavras e, principalmente, seus olhares.

O enigma dos sentimentos dos dois é o combustível principal da narrativa, e o ápice da história, onde esses se revelam é arrebatador. Numa das cartas mais belamente escritas na literatura, Jane Austen marcou a brasa quente "Você perfura minha alma. Sou metade agonia, metade esperança. Não me diga que é tarde demais, que aqueles sentimentos preciosos se foram para sempre" na pele de seus leitores.
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